sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

subsolo

cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser

ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir

sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser

atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

tourada

há equilíbrio no embate
ambos esguios
de nobre casta
numa dança no centro

cheios de paixão
e loucura
são apenas um
carne da carne
sem ferros ou cercas

por lá a bandarilha
e os chifres lembram
que tudo é batalha

que se ferem e matam
então investem audazes
o touro se erguia cingido
palmas e desespero

não mais que três golpes
e no meio da praça
declinou-se o espetáculo
ali jaz mais um toureiro.

domingo, 2 de outubro de 2011

talvez

e sem motivo algum
eu me jogue
sem leitmotiv
feito dados no veludo azul

esperam muito em jogos
em especial
nos de azar
e eu, sem razão.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

súplica

vê que já nem peço ternura
que o remonte que temos basta
traz seu couro cru
a casta figura nata
vem que é semana de lua
e sei só de urgências
vem que desaprendi esperar

vê que já nem peço amor
palavra que o tempo oxidou
traz seu falso alento
quero apenas clarear
alvorada cândida
ao relento dessas noites
que mal me dou

me faz sangrar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

tuas

gotas figuradas
que caem do queixo
feito pingos vertebrados de luz
resvalam na narina
trêmula, ofegante
e flamejam em minha face.

sábado, 2 de julho de 2011

Trópico de capricórnio

qual ficção celeste
essa linha imaginária
transfigura mapas
e ameniza calores

se não fosse o paralelo sul
onde meu equador abranda
seria liberta a febre tropical
que consome certos limites

hei de controlar meus solstícios
e essa desistência opaca
quase uma declinação ao frágil

hei de controlar as dores
e essa permanência estática
esse meridional em mim

quinta-feira, 2 de junho de 2011

trópico de câncer

ao marcar-me uma linha
como quem demarca
território vasto e improdutivo
feriu-me de modo permanente

pereceu-me cálido
ao meiar meu hemisfério
e santo ao devastar crenças
ao deitar-se efêmero
fez-se diáspora setentrional

ameno, quase ingênuo
meu equador
esfriou e saiu

minhas lembranças
viraram meninas cegas
numa gleba inóspita
fria e decadente.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

meridiano

recebeu meu colo
como se sacro fosse
beijou-me os olhos
como se jóias fossem

acolheu-me
meridiano
sol de janeiro
e ano inteiro

sábado, 2 de abril de 2011

meu bem querer diz

dorme e sonha
ainda falarei dos trigais
ele ri
zomba de minha devoção
do meu amor idílico
de meus sonhos surreais
das fomes e ganas
que sinto
e olhando para o céu
sem estrelas
fala dos meus mortos
que andam vivos
e de vivos
que já se foram há tempos
e assim,
morrerei girando
como moinhos de vento
fazendo dançar
os campos dourados
nas noites de lua.

quarta-feira, 2 de março de 2011

melancólico pierrô

se a vida não fosse tão triste
diria para sorrir
se a existência fosse tão bela
diria para não chorar...

mas é que inspira-me
a dor e a fragilidade
seus olhos tristonhos
soam-me sonhos
de uma noite que não virá...

seu olhar vazio
devotado a um canto escuro
não reflete mais
do que somos,
do que temos e tanto tememos...

chore sim, pequeno pierrô
pois a vida é colombina
traz sombras femininas
desilusões de adulto
num corpo de menina.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ironia

meus erros definem
quem eu sou
diz se há glória
ou fracasso

eu digo que uma visão
dentro de um limite
cognitivo
jamais poderia

cercar o certo e o errado
ou qualquer outra
dicotomia

domingo, 2 de janeiro de 2011

isso que me vem

em pequenas caixas
nada mais que marcha
para o furico mais cretino
do escândalo
faíscas

só incendeiam e apagam
riscam traçado fino
o caminhar nulo
repetitivo dos palitos
de ponta escarlate
encandeiam

demasiado cretinas
intuições abalizadas
de quem nada quer saber
compartimentados

natimortos espalhavam-se
no chão feito gravetos
mal queimados
moedinhas de um centavo
brincando
de quem se queima primeiro.
batismais
os tais
senhores fatais

fósforos

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

palavras são gametas
monstros com três tetas
chafurdando na lama
do poço de dentro

as retinas vão aos ossos
vistos de fora para o centro
mergulhados no mesmo
abismo bestial

e vivos obra e observador
são parte do jogo
pacto fraco
ou ardor franco

coabitam mundos
íntimos e difusos
absurdos e compatíveis

como preto e branco
em algum momento
convergem ao mesmo ponto
rabisco e visgo

um é o embuste
outro papel de embrulho
de olhos e letras
faz-se o não dito.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ontem estupramos
a pobre e inocente poesia
que suou quase calada
nos respingos primaveris
das bandas do planalto

não se assustem!
nem foi tão a seco!
metemos-lhe o cuspe
sem carinho e a esmo
nos fartamos!

abusamos dela
literalmente
e ali cuspida,
gozada e surrada,
parecia entregue, morta

mas pasmem,
“ela não morreu!”
tal qual seu par
o velho rock in roll
aguentou firme
virou a cara
e deixou-se levar

foi pedofilia rimada
armada em
palavra, revólver
e concreto
na cidade do desperdício

hei, João!
apruma e cura-te
da ressaca moral
dos verbos ressecados
de Ferreira Gullar

avisa pro pessoal
no Salute
que a poesia jaz-viva
e tomamos dela
toda noite de quinta
com café e versos
fodidos, torrados e moídos
na hora!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

o silêncio que precede o gozo

sua expressão
chorosa
mal suporta
o pulsar de de teu desespero

palpita entre dois mundos confusos
tênues, obtusos,
frágeis e necessitados de si

asas pares
em vôo rasante
rumo ao infinito incerto
desagregadas e tuas

vidro
pedra
sombras

nativas ativas, vãs,
voam

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

enquanto viva
cedi aos ardores da carne
e da palavra estuque
por não ser pedra

vertente desaforada
labirinto de tímpanos torpes
e clarevidência disforme
na retórica inflamada

enquanto morta
entalharam-me em cera
para que o semblante
parecesse vivo

boca torta, noite escura
sem porta, nem dentadura
só a ditadura do silêncio
nula e crua em sonhos de papel

ergueram-me sobre um andor
que aponta para o topo do porém
tiraram-me a língua como castigo
por não me calar, como convém.

domingo, 29 de agosto de 2010

o rei de olhos vesgos

como pôde meu rei
ir sem dizer adeus

foi cedo
mais cedo que todos
sem sussurro
sem chorar

deixou-m um filho
bastardo filho

só príncipes morrem assim
e só era rei aqui

temi pelo dia que
choraria nosso fruto
e chorei

vi os olhos cinzentos
e me perguntava o motivo
não sabia que era morto também

inconsolável dor
ontem nasceu
morreu-me feto

o filho do rei de olhos vesgos

hoje tenho-os tortos
um que me olha o chão
outro que me escuta o umbigo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

ensaio vermelho

canção tingida
encarnada boca rija
chicote ímpio
das esquerdas, de paixões
devassidões e taras
conjugar-te rubro
flameja-me escarlate.

terça-feira, 29 de junho de 2010

meus terços

não me peçam nada
é o que tenho
de quarta a segunda

que me lembrem nas terças
apenas na terceira hora do dia
em trinca de hora

e que não precisem de mim
nas quintas
nunca tenho dinheiro

nas sextas
estou bêbado
caído

aos sábados sou da família
e aos domingos do banheiro
ou do puteiro

não me dou nem pela metade
oro para que me esqueçam
aos poucos.

sábado, 29 de maio de 2010

a lúcida em mim
crucifica meu ser
administra mentiras
tenta ser correta
ser tão concreta

a lúcida em mim
afaga e engana
precede e o consente
meia volta
pra recomeçar

a lúcida em mim
sufoca o precipício
a lúcida em mim
parece não existir.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

incisivo

I
cortante movimento de prazer
sob ele curvam sólidos
refestelam líquidos
pervertem aborrecidas virgens
em solstícios sexistas

entre lábios e clitóris
confronta a sede dialética
coincide e confunde-se
em exultações e rigidez

conas e bocas são iguais
entre incisivos subvertem
vigoram como armadilhas
e caem em ciladas
misoginias e outros jogos

entregam-se à gula
não têm pudor
vingam-se em emboscadas
de desejos e gana.

segunda-feira, 29 de março de 2010

canino

I
mordedura revelada
sem ater-se à presa
ou à agonia
do olho dilacerado

quatro lâminas a se tocar
nas pontas afiadas saboreia
a devoção ao sangue
refestelada na língua

entrega-se aos recortes
miúdos e quase mudos
à dor alheia
à liberdade entre os dentes

e ao nocauteado resta a lona
os caninos cravados
na nervura da carne
do confete rubro no chão.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

parábola

em outras eras
lancei-me
subi o quanto pude
projétil e palavra
a esmo
sem ter-me

e divaguei na
vertigem vazia
da queda

qual pedra
ao encontrar
o solo

quebrei-me
em mil
para estar
no centro

e o repuxo
fez-me inércia
que na descoberta
sempre pede
a dor
do chão!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

cimo

sou querer empírico
responsabilizada de ser
resvalando-me na inércia
de não ser

tento abrir as portas
que me afastam de mim
mesmo condenada
à liberdade insólita
do não poder
cimo

épica e lenta descoberta
corrompida pelo ego
qual Sísifo interno-me
eterna jornada
no subir e descer
da pedra.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

água

em sua boca
sou fluida
quase falida

em ventre
o gozo
quase parida

em lábios
essência
saliva

domingo, 29 de novembro de 2009


















morta

deleite insaciável deglutia
todas as subjetivas alheias
palavras roubadas e capengas
de quem mal se conhece e
mal sabe orar

que importa língua presa
gagueira, mal falar
restava o masturbar
para chamar atenção
pra si

terça-feira, 29 de setembro de 2009

amanhece,
em marina, em solo
de cabelos negros
sorriso de menino
chega-me e vá embora

deixe,
tudo está em calma
o mar em ti flutua
o sol em mim atua
um misto de solidão
e cura

deixa,
que amor é o melhor
é bem e o mal maior
que nos atinge em fúria
na luta de história sã.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

rósea






despetalou-se
entre meus
dedos frios

sexta-feira, 10 de julho de 2009

cravo


























rubro distendido
entre meu dente
e palato

entardece-me

quarta-feira, 10 de junho de 2009

das flores que não serão fruto




ouso tocar a figa
antes tardia
e vaga
que estéril

sexta-feira, 15 de maio de 2009

das súplicas



























cala a boca vazia
que sustenta a fala
em demagogia

vê o pranto alheio
derramado à revelia
e descarta-o por escanteio

finja não se tocar
com o olho-anseio
que teima em se rebelar

alça-te em vôo rasante
sê livre e intocado
ao menos por um instante

lembra do silêncio que te dei
dos segredos revelados em calos
no mimo rosado encarnado que doei

e finalmente recorda meu íntimo
que declinou em vã filosofia tua
e diante de ti mais uma vez peço:

cala a boca vazia
que sustenta a fala
em demagogia!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



























de outro modo ergueria monumentos
para a adoração e comoção carnal
onde as pupilas alheias
amariam e invejariam
o caos do entendimento amoroso
mas com palavras imprime-se
ergue-se a pedra
os mamilos de um fitam o outro
cegam-se
e sem perder a calma
aceitam-se
colo e colo
ventre e ventre
dor e dor
feriam-se mortalmente
pelo egoísmo cáustico do gozo
tremeram as peles
abalaram-se as nervuras
desavisadas
e a pedra de outrora se racha
enquanto ventres se rasgam
em lama visceral
elegias ao falo intruso
ao receptor pagão
e todos os infernos se calam
para ouvir os “ais” mutilados
despedaçados e abandonados
pelos sete ventos
quarenta e nove mares
pelos infinitos apelos
de outro modo explodiriam
e se bastariam
mas as fronteiras provisórias
se romperam
o silêncio frenético fora quebrado
e o segredo maior revelado
no gozo individual
que é compartilhado
de outro modo se doariam
mas estão fartos de mundo
e ali onde o sexo pendia
perdurava o pêndulo
da efemeridade
e se houvesse céu
ele cairia inerte
diante do homem.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008



























é brando e silencioso
posso tocar-te o som
tive-o carinho cálido de pai
do braço amigo que estende a mão
e alerta

no caos com poucos portos
sem âncoras ou horizontes
mareados oceanos dialéticos
revoltam-se conta a nau
poderia o rochedo ser sentimental?

quantas idas e vindas
marolas e tempestades
o casco duro se fere
em grandes descobertas

é quem ampara em signos múltiplos
pedra fundamental!

sábado, 15 de novembro de 2008






















desconfie de meus silêncios
trazem pulsação alterada
um desistir ou esquecer
do que seria
noutra existência

sem cantar flores
sem ter porvir
ou alguma prece

encantada
feito silêncio mentiroso
sou infeliz.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

















cravei-te
em minha
boca falida

que beija-te o falo
e quer-te a vida!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

goteira
















escorreguei gotejando feito
chuva nas pedras do incompreendido
vãos entremeios do ignorar

há cura para o cansaço
é o sussurro seu no meu ouvido
é a mentira que me conta

já não corro da chuva, da nuvem cinza
nem da esperança que me cega
ainda tenho olhos esbugalhados

eles passam entre seus dedos
como as contas do rosário
de minha avó em devoção

lembro-me ainda do choro
de meu reflexo no seu olho
conjugações não me emocionam
só as gotas

distante me faz ler poesias
e tento reescrevê-las num ato falho
as lágrimas amargas falham em face vazia

jamais tentei o distanciamento
e até orei meu abismo aos bárbaros
que caçoaram de mim

e se consegue ver-me em seus olhos
fure-os na ira da gota
não estou pronta para nós.

domingo, 5 de outubro de 2008

derradeiro






















finda com o beijo
na testa ou lá
à beira impotente
o desejo que guardava sem mim
morde a fronha e sonha
que decadente!

consuma urgente
meu cheiro de jasmim
e seja encontro
de delicadezas do desamar
que de tanto amar-te,
tonto amar-te,
mar morto, náufrago

e saiba que enjoada, cá
navegarei, navegarei
meio descontente
com o que sobrou

mas, já vai tarde
tarde!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

fantasmas de Goya

























o mundo se calou
e as explosões de cores idem
monocromático
mesodramático
endométrio de amada
virada ao avesso

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

fundiu-se em figura e fera
qual quem sangra sem corte
violentou-se em silêncios
pois seu coração
fez-se fragmentos de bombas
da guerra dos outros

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

e se não bastasse todos
os espectros que o seguiam
em suas horas de tormenta
percebera suas imagens nuas
sendo arrastadas em carroça
queimada no dia do mito

Goya, não adianta chamar!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

gonorréia verborrágica






















cancro repolhudo
na ponta da língua
que profana os termos
ai, vadias palavras!

que se dão sem pudor
arrastam-se nas gargantas
masturbando a imaginação
alheia

em terceira pessoa
o verbo dissimula verdades
confabula enganos
e entrega-se
primeira pessoa

gonorréia verborrágica
na boca do poeta

e bem aventurados
os que podem ouvir
pois eles herdarão
o venéreo do vocábulo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

erva daninha

















o triste é se adaptar
não querer ser como todos
ser o amor mórbido
desses que ferem e matam
amor-trepadeira
que no seu devaneio
seca e mata
o ser amado.

terça-feira, 5 de agosto de 2008




















A fábula do vidro e do tijolo
pela vidraça vê-se o muro
vê-se furos
no paladar!

não há o que se esconda
e se oponha
à dor de fronha
e a amores de chafariz

é tudo tão caro
que o metal não pode pagar
beijara teus tijolos
e ainda trazia na língua
os esporos alheios

enganando-se cotidiano
e os olhos secos se fecham
na esperança da chuva
da fonte na praça central.

terça-feira, 15 de julho de 2008

do amor























fundo sem poço
sem razão
em outro nome

danação.

sábado, 5 de julho de 2008

do exclusivo



























o sabor incisivo
a arcada dentária
como identificação
de dolo

a cárie enfática
inocente
que domina
a isonomia dos falos.

domingo, 15 de junho de 2008


















Antitérmico, analgésico,
Anfetamina, antidepressivo,
Tudo que é corrosivo
Para aliviar nevralgias,
Dores de viver...
Sedativo paliativo reativo
Placebos para matar o tempo,
Para curar da vida.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

destruidor...























se teus jasmins imperam nobres
em teus viveiros de salamandra
deixe-os de sobreaviso

a geada do porvir
é impiedosa
e hei de rasgar-lhes o visgo

mas se sobreviverem a tudo
com vigores primaveris
cortarão-lhes no talo

venderão a essência
para enfeitar mortes
amores e regalos viris.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

descobri todo sal






















não me escondo
isso não...
é que por vezes
sou tão pequena,
biltre e gasta
que ínfimo-me

inexistindo
como se não existir
fosse um presente

perco-me
daquele
que julgo ser
e esmoreço
na procura
de quem não pude ter.

terça-feira, 15 de abril de 2008






















antes que digam-me
que o erro é amar
rechaço com liturgia
que me falta

quem há de merecer
mais o céu que as putas?

elas subordinam-se
ao segundo mandamento
como ninguém.

sábado, 5 de abril de 2008

Rendez Vous
























de minha origem
pouco sei
pai comerciante
mãe costureira

ele doava o tecido
e ela o costurava

talvez por isso
o alinhavo

linhagem
de casta indefinida

nada sei.

sábado, 15 de março de 2008

classicismo



















no palco da poesia vã
não felarei putas ou santas
todas gozam em decassílabos
gemem e gritam almas entre suas ancas
fazem-no em dodecassílabos perfeitos

nos porões da retórica válida
não abocanharei os falos que apontam
para o céu em êxtase prosaico
todos oram, choram e clamam
pelo orifício alheio e laico

cansei de meu classicismo de outrora
cairei de boca nos calos malfeitos
jogarei pudores que não tenho fora
e preconizarei o fogo dos deleites
rasgarei as tangas mínimas em deflora
com dentes podres e verbos imperfeitos.

quarta-feira, 5 de março de 2008



















do sexo binário
ao complexo signo irrelevante da palavra
poderiam afirmar que “só o amor constrói”

das disputas seminais
ao fecundar de um óvulo maduro
poderiam afirmar que “só os mais fortes vencem”

da gonorreia venérea
à verborreia cíclica dos signos e afluentes
afirma Rita Lee que “sexo é animal, amor é bossa nova”

sou fruto de duas forças, Zeus me gerou e uma ninfa me concebeu
sou desavisado espermatozóide vencedor, perdido em nevralgias
antes não ter corrido, antes o cancro perdedor ao som de Sex Pistols!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

das esperas


















rogo para que essa
vontade apazigúe
feito verão caído
num quase outono

a boca dela foi demais
para mim
uma agiota de extremos
nessa cama de hotel

mas tudo serena
quarto vazio
noites de teima
dias desastrosos

sorrindo ela mastigou
qualquer orgulho meu
calou em chuvas de prata
e deixou-me o cheiro de urina

e ainda sinto
o gosto dela
o ocre do sexo
em notas de absinto.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008















esquece-me
que já o fiz
estou de fora

nas alamedas
no vento baldio
ouço quem implora

nas paineiras
que dançam felizes
vejo a deflora

enquanto voa
redemoinho com elas
a tramela chora

e se vou infinita
sou pedra aflita
no reino da hora

não me peça
toma-me cálice
por inteiro e devora

soul-te
todo tempo
na demora.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008



















enganei-me nas reticências
do não dito
supondo-o subentendido
nas entrelinhas do tudo

mas nas metáforas
e paradoxos
ossos do ofício
tomei antíteses

e o trago que rasga o peito
depois de embargar
o desengano, que tenho
por salvaguarda, é efeito.

sábado, 5 de janeiro de 2008























arritmias pedem
mais que um cigarro,
uma carreira,
ou uma dose intravenosa
de colapso nervoso
almejam a overdose do medo
dentro da toca do coelho
enquanto a paranóia em eco diz:
“não há lugar melhor que nossa casa”

pés cheios de bolhas
tocam-se em fuga
presos em sapatos vermelhos
cantam compassos curtos
perdidos na cidade
de concreto e pó

sós e vazios
quase ignoram
esse cenário cinza
mareado de vergonha

personagens lendários
deslumbram-se
entre a ascensão
e a queda
sobre os tijolos
da estrada amarela
repetindo a canção conhecida:
“não há lugar melhor que nossa casa”

e se tantos sucumbem
ou perdem seus sapatos
nessa fúria alucinada
que representem em mim
as Alices, Cinderelas e Dorothys
na mesma estrada amarela
de uma aquarela
repleta de desespero
em tons
entre o azulado
e o carmim.

sábado, 15 de dezembro de 2007

culto

















encenam valsas e cerimônias bestiais
recolhem flores, dízimo, mirra
e devolvem hóstias e água benta
como que para preencher o cotidiano de amor
escondem suas feiúras debaixo de pintura
na missa dominical

convenceram-se que o fim está próximo e pregam-no
junto com suas faces nas cruzes de cristos
e fechadas as bocas ainda salvariam Barrabás

perdem-se nesses assuntos superficiais,
que seguem sorrisos fúteis e escárnio
na construção de fogueiras e forcas
as línguas maldosas
caçam bruxas e hereges

eu, assim como sacis,
curupiras, caiporas e sereias
vivo à margem
pois ser louco
é ser normal.

sábado, 1 de dezembro de 2007





















antes que desçam
para cortar-me
furar-me o fundo
lamacento
e exigirem mais de mim
aviso que não quero
ser explícito
mesmo sendo água
transparente escondo-me
gosto de guardar-me
na escuridão silenciosa
de meu poço
perdido da cronologia
das horas e fodas
tenho meus segredos
mesmo que me sirvam
como chá.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007



























ainda trago-te marcado em mim
como o último trago
como o único gozo
em seus olhos negros
eu sua cabeleira ao vento
montado nos segredos soturnos
cavalgando as elegias
duma noite sem lua
trago-te
é a fumaça que me embriaga
os olhos da taça de vinho
o respirar profundo
o amor defunto
quisera te deixar descansar
em teu sono eterno...

mas ainda trago-te marcado em mim
como a última gota
como o único cale-se
em meus olhos negros
na minha cabeleira ao vento
montada em sua carne latejante
cavalgando as alegorias
duma vida sem lume
trago-te
é porre de menina-moça
o hímen desvirginado
o suspirar profundo
o gozo moribundo
quisera que eu desistisse
eu sou o sono eterno...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007























a chama da aparição
ainda queimava
e a pele rubra
lambia-me

ventre e existência
em farrapos

a fumaça atravessava-me
feito besta-fera
galopava em olhos
vidrados que refletiam
a carga do fenecer e vagar

na leveza da dor flutuava
pálpebra, olho e caos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

antes chorar
















definhar-me em rosários
e hóstias bestiais
de meus pensamentos impuros
em ti

mas não há lágrima
há fúria e desencanto
rasgo-me em devassidão torpe
e condeno-me à loucura inerte
aqui

sorrio como Salomé
debochada e despudorada
enquanto o largo das apnéias
teimam em tirar-me
o ar

respiro-te
inspira-me
tão distantes
tão entregues
sós.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007






















A tentativa de compreensão do mundo me escapa,
Já tentei expressar esse absurdo cognitivo
Mas palavras parecem ambíguas, sem signo,
Por vezes levianas.
Como dizer grandes ou pequenas palavras
Se elas por si só se ferem
Por não serem livres, por não serem nada e tudo.
Alguns julgam usá-las com maestria,
Outros continuam conjugá-las em suas vertentes,
E transmutá-las em seu sentido até a exaustão,
Inutilmente.
As palavras dão margem à subjetividade,
Aos olhares múltiplos
Às verdades tênues.
Serei sempre um incompreendido,
Sábio e ignorante, por não saber, sabendo.
Julgo minhas tentativas,
Meus poemas,
Que nada mais são que coitos interrompidos
Na ânsia do gozo do entendimento.

sábado, 15 de setembro de 2007






















a teus pés deixei minhas dores
como fazem todos os pecadores
orei, chorei, roguei, me arrependi
sem entender o porque, sofri
quanto de meu tempo vaguei
pensando em ti, acreditando
nas orações que ensinaram-me
ledo engano, e em meu martírio
sua cruz estilizada, eu me feria
eu sempre me machucava
até por fim compreender
que a crucificada fui eu
apenas eu
em meu calvário de dúvidas.

(para Ana Cristina Cesar)

sábado, 1 de setembro de 2007























Nunca terei Baudelaire
Preso entre meus quadris
Mesmo assim o amo
Com extrema violência
Um querer bruto e evidente
Que faz vibrar minhas carnes
Minhas palavras
Faz cintilar minha poesia
Num legítimo transbordar
De emoções incontidas
Preenchem-me as ilusões
E não há como me esquivar
Contento-me com amores utópicos
Pois os reais não me saciam
Acabam logo, derretem
Enquanto os imperfeitos
Continuam intactos
Em meus devaneios.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Ampulheta cega























Grãos na cintura passam cálidos
Ah, hora, é fissura no furo da proa
Idolatra Argos e hinos vãos, entoa
Crê, mesmo tendo olhos inválidos

Nunca lambeste o tempo em estado,
Ah, areia, é volátil, pelo centro escoa
Impunemente, a pária lasciva ecoa,
Como milhões de pingos sem reinado,

À primeira vista se apresenta formosa,
Naquela luta do não esvair-se pela greta,
Ao fazer-se livre, alforriada, jaz saudosa

Cada minuto manco traz uma muleta,
A jura presa em promessa duvidosa
Que fere, mata nessa imutável roleta

quarta-feira, 1 de agosto de 2007























Depois que parti de mim
Escrevo cartas intensas
Sem fim
Rabiscos tortos
Inúteis
E essa casca
Convalescente
Insiste em gritar,
Chorar, sofrer,
Clamar pelo que já fui
Mas esse que observa
Já não quer mais voltar
Busca ainda seu rumo
Está preso a esse tema
Fatídico e ignóbil
Como as canções repetidas
Em semi tom
Não mais
Não mais.
a vida me prende em laços asfixiantes
não engana-me com sua primaveril
só me rasga em seu leito de inverno
com a evidente certeza
que me entregarei
que me entregarei
aos seus beijos que cheiram flores
e causam-me estranheza
transfiguram o medo
a angústia lasciva
o fluxo e refluxo
de uma atenção entregue
à sebe do jardim.

domingo, 15 de julho de 2007

Alice despedaçada






















sonhei com outro presente para mim
que não incluísse bebedeira
e filhos bastardos para criar

as meias arrastão e a jogatina
acompanhadas de bebida forte
abrandavam devaneios

mas minha perdição
era a fumaça do cigarro
que fazia voar

veio cair em minha mão nada mais
que um ás e uma rainha de copas
olhava para as expressões pacíficas
de outros jogadores
naquele jogo a verdade
era o que menos importava

sem xícaras de chá ou botões
na lapela do Chapeleiro Louco
ou qualquer outra coisa
que viesse da terra dos espelhos
eu era igual a todas as outras

não fosse aquela rainha de copas
mal me lembraria de quem fui.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

o amor é beijo
























de violoncelista
e uma lutadora
embates de claves
e socos
ambos fogem
para cordas
esse talho e ranço
é o pouco do caldo
que me sobra
dessa dobra da língua

verborragias na hemorragia
de sentimento falham-te
como que ora
e não tem sede benta

entendas de uma vez
verbos não me compram
sou escolada em retórica
e paranóica de ardores

iguaria do falo
não é a palavra
que se escuta
é sim a constatação

gozo meu não é verso
é sim dissertação.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

cimo























sou querer empírico
responsabilizada de ser
resvalando-me na inércia
de não ser

tento abrir as portas
que me afastam de mim
mesmo condenada
à liberdade insólita
do não poder
cimo

épica e lenta descoberta
corrompida pelo ego
qual Sísifo interno-me
eterna jornada
no subir e descer
da pedra

sábado, 5 de maio de 2007

parlatório




são em teu falo
que minhas dores
calam-se,

tanto na palavra
como na carne.

terça-feira, 1 de maio de 2007


















chama,
debulhe-me entre dedos
em devoção

passeia nas contas
de meu rosário torto
aprecie minha tortura
de sobreviver
aos desejos seus

chama,
o ardor de meu nome
em aflição

degusta cada sílaba
que em sua boca
o vocativo arde
derrete, queima e ecoa
nos meus sentidos

derrota-me

chama,
queime este pavio
em oração

vibra alheio à catástrofe
que me espera
sem supor o intento
que trago fumaça
em meu peito.

domingo, 1 de abril de 2007




















agonia de amá-lo desconhecido
e ao mesmo odiar-te
talvez por ter-te
em andor idílico
mistificado em idolatrias vãs
quase ou tão absurdas quanto

ouvir-te o verbo mudo
e palavras falsas tatuadas
no dorso de monumento inexistente

cultuar-te oco
um objeto retratado
sem saber-te conteúdo.

quinta-feira, 1 de março de 2007



















Cabe-me um sonho vão
E a crença plena de que nada vingará
O esboço discreto e perfeito
Do fracasso.

Fadiga-me a vida
Dispersa-me o cativeiro
Tão tênue, tão nocivo
Que quase não tem sentido.

Falso, reles, louco
Cabe na desventura do tormento
Vive na lamúria do pouco
Seca na indignação do nada.

Cabe-me ainda um sonho vão
Que permanece sereno
Sem pressa de acontecer
Sem medo de perecer.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007











em tempos de não fé
rezar

rezar agora
por agora estar sozinho
e desesperado
vivendo por si
sem dolo
ou algo encantador

saudade dos tempos
do não amar

amar em pensamento
sustenido
suspenso
em dó

não se preocupe em correr
contra o tempo
nem sabe
para onde ir.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007
















ai que a vida é um regalo
vazio de pouco visgo
muito talo
ai que de doce
minguado
bagaço é o que resta
verde pastosa
espera-se muito
garapa azeda
gosto amargo
que embriaga
como cachaça
e enverga o prumo
tal que eu sem rumo
vou ao encontro do nada
do meu rasgo impune
que só me faz o que sou
cana-de-açúcar
que canaliza o verbo
e açucara as palavras
para apenas dizer
que sobra
a amônia e do azoto
a mim o arroto
dentro das horas tardias.