segunda-feira, 15 de dezembro de 2008



























de outro modo ergueria monumentos
para a adoração e comoção carnal
onde as pupilas alheias
amariam e invejariam
o caos do entendimento amoroso
mas com palavras imprime-se
ergue-se a pedra
os mamilos de um fitam o outro
cegam-se
e sem perder a calma
aceitam-se
colo e colo
ventre e ventre
dor e dor
feriam-se mortalmente
pelo egoísmo cáustico do gozo
tremeram as peles
abalaram-se as nervuras
desavisadas
e a pedra de outrora se racha
enquanto ventres se rasgam
em lama visceral
elegias ao falo intruso
ao receptor pagão
e todos os infernos se calam
para ouvir os “ais” mutilados
despedaçados e abandonados
pelos sete ventos
quarenta e nove mares
pelos infinitos apelos
de outro modo explodiriam
e se bastariam
mas as fronteiras provisórias
se romperam
o silêncio frenético fora quebrado
e o segredo maior revelado
no gozo individual
que é compartilhado
de outro modo se doariam
mas estão fartos de mundo
e ali onde o sexo pendia
perdurava o pêndulo
da efemeridade
e se houvesse céu
ele cairia inerte
diante do homem.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008



























é brando e silencioso
posso tocar-te o som
tive-o carinho cálido de pai
do braço amigo que estende a mão
e alerta

no caos com poucos portos
sem âncoras ou horizontes
mareados oceanos dialéticos
revoltam-se conta a nau
poderia o rochedo ser sentimental?

quantas idas e vindas
marolas e tempestades
o casco duro se fere
em grandes descobertas

é quem ampara em signos múltiplos
pedra fundamental!

sábado, 15 de novembro de 2008






















desconfie de meus silêncios
trazem pulsação alterada
um desistir ou esquecer
do que seria
noutra existência

sem cantar flores
sem ter porvir
ou alguma prece

encantada
feito silêncio mentiroso
sou infeliz.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

















cravei-te
em minha
boca falida

que beija-te o falo
e quer-te a vida!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

goteira
















escorreguei gotejando feito
chuva nas pedras do incompreendido
vãos entremeios do ignorar

há cura para o cansaço
é o sussurro seu no meu ouvido
é a mentira que me conta

já não corro da chuva, da nuvem cinza
nem da esperança que me cega
ainda tenho olhos esbugalhados

eles passam entre seus dedos
como as contas do rosário
de minha avó em devoção

lembro-me ainda do choro
de meu reflexo no seu olho
conjugações não me emocionam
só as gotas

distante me faz ler poesias
e tento reescrevê-las num ato falho
as lágrimas amargas falham em face vazia

jamais tentei o distanciamento
e até orei meu abismo aos bárbaros
que caçoaram de mim

e se consegue ver-me em seus olhos
fure-os na ira da gota
não estou pronta para nós.

domingo, 5 de outubro de 2008

derradeiro






















finda com o beijo
na testa ou lá
à beira impotente
o desejo que guardava sem mim
morde a fronha e sonha
que decadente!

consuma urgente
meu cheiro de jasmim
e seja encontro
de delicadezas do desamar
que de tanto amar-te,
tonto amar-te,
mar morto, náufrago

e saiba que enjoada, cá
navegarei, navegarei
meio descontente
com o que sobrou

mas, já vai tarde
tarde!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

fantasmas de Goya

























o mundo se calou
e as explosões de cores idem
monocromático
mesodramático
endométrio de amada
virada ao avesso

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

fundiu-se em figura e fera
qual quem sangra sem corte
violentou-se em silêncios
pois seu coração
fez-se fragmentos de bombas
da guerra dos outros

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

e se não bastasse todos
os espectros que o seguiam
em suas horas de tormenta
percebera suas imagens nuas
sendo arrastadas em carroça
queimada no dia do mito

Goya, não adianta chamar!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

gonorréia verborrágica






















cancro repolhudo
na ponta da língua
que profana os termos
ai, vadias palavras!

que se dão sem pudor
arrastam-se nas gargantas
masturbando a imaginação
alheia

em terceira pessoa
o verbo dissimula verdades
confabula enganos
e entrega-se
primeira pessoa

gonorréia verborrágica
na boca do poeta

e bem aventurados
os que podem ouvir
pois eles herdarão
o venéreo do vocábulo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

erva daninha

















o triste é se adaptar
não querer ser como todos
ser o amor mórbido
desses que ferem e matam
amor-trepadeira
que no seu devaneio
seca e mata
o ser amado.

terça-feira, 5 de agosto de 2008




















A fábula do vidro e do tijolo
pela vidraça vê-se o muro
vê-se furos
no paladar!

não há o que se esconda
e se oponha
à dor de fronha
e a amores de chafariz

é tudo tão caro
que o metal não pode pagar
beijara teus tijolos
e ainda trazia na língua
os esporos alheios

enganando-se cotidiano
e os olhos secos se fecham
na esperança da chuva
da fonte na praça central.

terça-feira, 15 de julho de 2008

do amor























fundo sem poço
sem razão
em outro nome

danação.

sábado, 5 de julho de 2008

do exclusivo



























o sabor incisivo
a arcada dentária
como identificação
de dolo

a cárie enfática
inocente
que domina
a isonomia dos falos.

domingo, 15 de junho de 2008


















Antitérmico, analgésico,
Anfetamina, antidepressivo,
Tudo que é corrosivo
Para aliviar nevralgias,
Dores de viver...
Sedativo paliativo reativo
Placebos para matar o tempo,
Para curar da vida.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

destruidor...























se teus jasmins imperam nobres
em teus viveiros de salamandra
deixe-os de sobreaviso

a geada do porvir
é impiedosa
e hei de rasgar-lhes o visgo

mas se sobreviverem a tudo
com vigores primaveris
cortarão-lhes no talo

venderão a essência
para enfeitar mortes
amores e regalos viris.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

descobri todo sal






















não me escondo
isso não...
é que por vezes
sou tão pequena,
biltre e gasta
que ínfimo-me

inexistindo
como se não existir
fosse um presente

perco-me
daquele
que julgo ser
e esmoreço
na procura
de quem não pude ter.

terça-feira, 15 de abril de 2008






















antes que digam-me
que o erro é amar
rechaço com liturgia
que me falta

quem há de merecer
mais o céu que as putas?

elas subordinam-se
ao segundo mandamento
como ninguém.

sábado, 5 de abril de 2008

Rendez Vous
























de minha origem
pouco sei
pai comerciante
mãe costureira

ele doava o tecido
e ela o costurava

talvez por isso
o alinhavo

linhagem
de casta indefinida

nada sei.

sábado, 15 de março de 2008

classicismo



















no palco da poesia vã
não felarei putas ou santas
todas gozam em decassílabos
gemem e gritam almas entre suas ancas
fazem-no em dodecassílabos perfeitos

nos porões da retórica válida
não abocanharei os falos que apontam
para o céu em êxtase prosaico
todos oram, choram e clamam
pelo orifício alheio e laico

cansei de meu classicismo de outrora
cairei de boca nos calos malfeitos
jogarei pudores que não tenho fora
e preconizarei o fogo dos deleites
rasgarei as tangas mínimas em deflora
com dentes podres e verbos imperfeitos.

quarta-feira, 5 de março de 2008



















do sexo binário
ao complexo signo irrelevante da palavra
poderiam afirmar que “só o amor constrói”

das disputas seminais
ao fecundar de um óvulo maduro
poderiam afirmar que “só os mais fortes vencem”

da gonorreia venérea
à verborreia cíclica dos signos e afluentes
afirma Rita Lee que “sexo é animal, amor é bossa nova”

sou fruto de duas forças, Zeus me gerou e uma ninfa me concebeu
sou desavisado espermatozóide vencedor, perdido em nevralgias
antes não ter corrido, antes o cancro perdedor ao som de Sex Pistols!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

das esperas


















rogo para que essa
vontade apazigúe
feito verão caído
num quase outono

a boca dela foi demais
para mim
uma agiota de extremos
nessa cama de hotel

mas tudo serena
quarto vazio
noites de teima
dias desastrosos

sorrindo ela mastigou
qualquer orgulho meu
calou em chuvas de prata
e deixou-me o cheiro de urina

e ainda sinto
o gosto dela
o ocre do sexo
em notas de absinto.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008















esquece-me
que já o fiz
estou de fora

nas alamedas
no vento baldio
ouço quem implora

nas paineiras
que dançam felizes
vejo a deflora

enquanto voa
redemoinho com elas
a tramela chora

e se vou infinita
sou pedra aflita
no reino da hora

não me peça
toma-me cálice
por inteiro e devora

soul-te
todo tempo
na demora.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008



















enganei-me nas reticências
do não dito
supondo-o subentendido
nas entrelinhas do tudo

mas nas metáforas
e paradoxos
ossos do ofício
tomei antíteses

e o trago que rasga o peito
depois de embargar
o desengano, que tenho
por salvaguarda, é efeito.

sábado, 5 de janeiro de 2008























arritmias pedem
mais que um cigarro,
uma carreira,
ou uma dose intravenosa
de colapso nervoso
almejam a overdose do medo
dentro da toca do coelho
enquanto a paranóia em eco diz:
“não há lugar melhor que nossa casa”

pés cheios de bolhas
tocam-se em fuga
presos em sapatos vermelhos
cantam compassos curtos
perdidos na cidade
de concreto e pó

sós e vazios
quase ignoram
esse cenário cinza
mareado de vergonha

personagens lendários
deslumbram-se
entre a ascensão
e a queda
sobre os tijolos
da estrada amarela
repetindo a canção conhecida:
“não há lugar melhor que nossa casa”

e se tantos sucumbem
ou perdem seus sapatos
nessa fúria alucinada
que representem em mim
as Alices, Cinderelas e Dorothys
na mesma estrada amarela
de uma aquarela
repleta de desespero
em tons
entre o azulado
e o carmim.