sábado, 15 de dezembro de 2007

culto

















encenam valsas e cerimônias bestiais
recolhem flores, dízimo, mirra
e devolvem hóstias e água benta
como que para preencher o cotidiano de amor
escondem suas feiúras debaixo de pintura
na missa dominical

convenceram-se que o fim está próximo e pregam-no
junto com suas faces nas cruzes de cristos
e fechadas as bocas ainda salvariam Barrabás

perdem-se nesses assuntos superficiais,
que seguem sorrisos fúteis e escárnio
na construção de fogueiras e forcas
as línguas maldosas
caçam bruxas e hereges

eu, assim como sacis,
curupiras, caiporas e sereias
vivo à margem
pois ser louco
é ser normal.

sábado, 1 de dezembro de 2007





















antes que desçam
para cortar-me
furar-me o fundo
lamacento
e exigirem mais de mim
aviso que não quero
ser explícito
mesmo sendo água
transparente escondo-me
gosto de guardar-me
na escuridão silenciosa
de meu poço
perdido da cronologia
das horas e fodas
tenho meus segredos
mesmo que me sirvam
como chá.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007



























ainda trago-te marcado em mim
como o último trago
como o único gozo
em seus olhos negros
eu sua cabeleira ao vento
montado nos segredos soturnos
cavalgando as elegias
duma noite sem lua
trago-te
é a fumaça que me embriaga
os olhos da taça de vinho
o respirar profundo
o amor defunto
quisera te deixar descansar
em teu sono eterno...

mas ainda trago-te marcado em mim
como a última gota
como o único cale-se
em meus olhos negros
na minha cabeleira ao vento
montada em sua carne latejante
cavalgando as alegorias
duma vida sem lume
trago-te
é porre de menina-moça
o hímen desvirginado
o suspirar profundo
o gozo moribundo
quisera que eu desistisse
eu sou o sono eterno...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007























a chama da aparição
ainda queimava
e a pele rubra
lambia-me

ventre e existência
em farrapos

a fumaça atravessava-me
feito besta-fera
galopava em olhos
vidrados que refletiam
a carga do fenecer e vagar

na leveza da dor flutuava
pálpebra, olho e caos.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

antes chorar
















definhar-me em rosários
e hóstias bestiais
de meus pensamentos impuros
em ti

mas não há lágrima
há fúria e desencanto
rasgo-me em devassidão torpe
e condeno-me à loucura inerte
aqui

sorrio como Salomé
debochada e despudorada
enquanto o largo das apnéias
teimam em tirar-me
o ar

respiro-te
inspira-me
tão distantes
tão entregues
sós.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007






















A tentativa de compreensão do mundo me escapa,
Já tentei expressar esse absurdo cognitivo
Mas palavras parecem ambíguas, sem signo,
Por vezes levianas.
Como dizer grandes ou pequenas palavras
Se elas por si só se ferem
Por não serem livres, por não serem nada e tudo.
Alguns julgam usá-las com maestria,
Outros continuam conjugá-las em suas vertentes,
E transmutá-las em seu sentido até a exaustão,
Inutilmente.
As palavras dão margem à subjetividade,
Aos olhares múltiplos
Às verdades tênues.
Serei sempre um incompreendido,
Sábio e ignorante, por não saber, sabendo.
Julgo minhas tentativas,
Meus poemas,
Que nada mais são que coitos interrompidos
Na ânsia do gozo do entendimento.

sábado, 15 de setembro de 2007






















a teus pés deixei minhas dores
como fazem todos os pecadores
orei, chorei, roguei, me arrependi
sem entender o porque, sofri
quanto de meu tempo vaguei
pensando em ti, acreditando
nas orações que ensinaram-me
ledo engano, e em meu martírio
sua cruz estilizada, eu me feria
eu sempre me machucava
até por fim compreender
que a crucificada fui eu
apenas eu
em meu calvário de dúvidas.

(para Ana Cristina Cesar)

sábado, 1 de setembro de 2007























Nunca terei Baudelaire
Preso entre meus quadris
Mesmo assim o amo
Com extrema violência
Um querer bruto e evidente
Que faz vibrar minhas carnes
Minhas palavras
Faz cintilar minha poesia
Num legítimo transbordar
De emoções incontidas
Preenchem-me as ilusões
E não há como me esquivar
Contento-me com amores utópicos
Pois os reais não me saciam
Acabam logo, derretem
Enquanto os imperfeitos
Continuam intactos
Em meus devaneios.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Ampulheta cega























Grãos na cintura passam cálidos
Ah, hora, é fissura no furo da proa
Idolatra Argos e hinos vãos, entoa
Crê, mesmo tendo olhos inválidos

Nunca lambeste o tempo em estado,
Ah, areia, é volátil, pelo centro escoa
Impunemente, a pária lasciva ecoa,
Como milhões de pingos sem reinado,

À primeira vista se apresenta formosa,
Naquela luta do não esvair-se pela greta,
Ao fazer-se livre, alforriada, jaz saudosa

Cada minuto manco traz uma muleta,
A jura presa em promessa duvidosa
Que fere, mata nessa imutável roleta

quarta-feira, 1 de agosto de 2007























Depois que parti de mim
Escrevo cartas intensas
Sem fim
Rabiscos tortos
Inúteis
E essa casca
Convalescente
Insiste em gritar,
Chorar, sofrer,
Clamar pelo que já fui
Mas esse que observa
Já não quer mais voltar
Busca ainda seu rumo
Está preso a esse tema
Fatídico e ignóbil
Como as canções repetidas
Em semi tom
Não mais
Não mais.
a vida me prende em laços asfixiantes
não engana-me com sua primaveril
só me rasga em seu leito de inverno
com a evidente certeza
que me entregarei
que me entregarei
aos seus beijos que cheiram flores
e causam-me estranheza
transfiguram o medo
a angústia lasciva
o fluxo e refluxo
de uma atenção entregue
à sebe do jardim.

domingo, 15 de julho de 2007

Alice despedaçada






















sonhei com outro presente para mim
que não incluísse bebedeira
e filhos bastardos para criar

as meias arrastão e a jogatina
acompanhadas de bebida forte
abrandavam devaneios

mas minha perdição
era a fumaça do cigarro
que fazia voar

veio cair em minha mão nada mais
que um ás e uma rainha de copas
olhava para as expressões pacíficas
de outros jogadores
naquele jogo a verdade
era o que menos importava

sem xícaras de chá ou botões
na lapela do Chapeleiro Louco
ou qualquer outra coisa
que viesse da terra dos espelhos
eu era igual a todas as outras

não fosse aquela rainha de copas
mal me lembraria de quem fui.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

o amor é beijo
























de violoncelista
e uma lutadora
embates de claves
e socos
ambos fogem
para cordas
esse talho e ranço
é o pouco do caldo
que me sobra
dessa dobra da língua

verborragias na hemorragia
de sentimento falham-te
como que ora
e não tem sede benta

entendas de uma vez
verbos não me compram
sou escolada em retórica
e paranóica de ardores

iguaria do falo
não é a palavra
que se escuta
é sim a constatação

gozo meu não é verso
é sim dissertação.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

cimo























sou querer empírico
responsabilizada de ser
resvalando-me na inércia
de não ser

tento abrir as portas
que me afastam de mim
mesmo condenada
à liberdade insólita
do não poder
cimo

épica e lenta descoberta
corrompida pelo ego
qual Sísifo interno-me
eterna jornada
no subir e descer
da pedra

sábado, 5 de maio de 2007

parlatório




são em teu falo
que minhas dores
calam-se,

tanto na palavra
como na carne.

terça-feira, 1 de maio de 2007


















chama,
debulhe-me entre dedos
em devoção

passeia nas contas
de meu rosário torto
aprecie minha tortura
de sobreviver
aos desejos seus

chama,
o ardor de meu nome
em aflição

degusta cada sílaba
que em sua boca
o vocativo arde
derrete, queima e ecoa
nos meus sentidos

derrota-me

chama,
queime este pavio
em oração

vibra alheio à catástrofe
que me espera
sem supor o intento
que trago fumaça
em meu peito.

domingo, 1 de abril de 2007




















agonia de amá-lo desconhecido
e ao mesmo odiar-te
talvez por ter-te
em andor idílico
mistificado em idolatrias vãs
quase ou tão absurdas quanto

ouvir-te o verbo mudo
e palavras falsas tatuadas
no dorso de monumento inexistente

cultuar-te oco
um objeto retratado
sem saber-te conteúdo.

quinta-feira, 1 de março de 2007



















Cabe-me um sonho vão
E a crença plena de que nada vingará
O esboço discreto e perfeito
Do fracasso.

Fadiga-me a vida
Dispersa-me o cativeiro
Tão tênue, tão nocivo
Que quase não tem sentido.

Falso, reles, louco
Cabe na desventura do tormento
Vive na lamúria do pouco
Seca na indignação do nada.

Cabe-me ainda um sonho vão
Que permanece sereno
Sem pressa de acontecer
Sem medo de perecer.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007











em tempos de não fé
rezar

rezar agora
por agora estar sozinho
e desesperado
vivendo por si
sem dolo
ou algo encantador

saudade dos tempos
do não amar

amar em pensamento
sustenido
suspenso
em dó

não se preocupe em correr
contra o tempo
nem sabe
para onde ir.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007
















ai que a vida é um regalo
vazio de pouco visgo
muito talo
ai que de doce
minguado
bagaço é o que resta
verde pastosa
espera-se muito
garapa azeda
gosto amargo
que embriaga
como cachaça
e enverga o prumo
tal que eu sem rumo
vou ao encontro do nada
do meu rasgo impune
que só me faz o que sou
cana-de-açúcar
que canaliza o verbo
e açucara as palavras
para apenas dizer
que sobra
a amônia e do azoto
a mim o arroto
dentro das horas tardias.