sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

subsolo

cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser

ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir

sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser

atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

tourada

há equilíbrio no embate
ambos esguios
de nobre casta
numa dança no centro

cheios de paixão
e loucura
são apenas um
carne da carne
sem ferros ou cercas

por lá a bandarilha
e os chifres lembram
que tudo é batalha

que se ferem e matam
então investem audazes
o touro se erguia cingido
palmas e desespero

não mais que três golpes
e no meio da praça
declinou-se o espetáculo
ali jaz mais um toureiro.

domingo, 2 de outubro de 2011

talvez

e sem motivo algum
eu me jogue
sem leitmotiv
feito dados no veludo azul

esperam muito em jogos
em especial
nos de azar
e eu, sem razão.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

súplica

vê que já nem peço ternura
que o remonte que temos basta
traz seu couro cru
a casta figura nata
vem que é semana de lua
e sei só de urgências
vem que desaprendi esperar

vê que já nem peço amor
palavra que o tempo oxidou
traz seu falso alento
quero apenas clarear
alvorada cândida
ao relento dessas noites
que mal me dou

me faz sangrar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

tuas

gotas figuradas
que caem do queixo
feito pingos vertebrados de luz
resvalam na narina
trêmula, ofegante
e flamejam em minha face.

sábado, 2 de julho de 2011

Trópico de capricórnio

qual ficção celeste
essa linha imaginária
transfigura mapas
e ameniza calores

se não fosse o paralelo sul
onde meu equador abranda
seria liberta a febre tropical
que consome certos limites

hei de controlar meus solstícios
e essa desistência opaca
quase uma declinação ao frágil

hei de controlar as dores
e essa permanência estática
esse meridional em mim

quinta-feira, 2 de junho de 2011

trópico de câncer

ao marcar-me uma linha
como quem demarca
território vasto e improdutivo
feriu-me de modo permanente

pereceu-me cálido
ao meiar meu hemisfério
e santo ao devastar crenças
ao deitar-se efêmero
fez-se diáspora setentrional

ameno, quase ingênuo
meu equador
esfriou e saiu

minhas lembranças
viraram meninas cegas
numa gleba inóspita
fria e decadente.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

meridiano

recebeu meu colo
como se sacro fosse
beijou-me os olhos
como se jóias fossem

acolheu-me
meridiano
sol de janeiro
e ano inteiro

sábado, 2 de abril de 2011

meu bem querer diz

dorme e sonha
ainda falarei dos trigais
ele ri
zomba de minha devoção
do meu amor idílico
de meus sonhos surreais
das fomes e ganas
que sinto
e olhando para o céu
sem estrelas
fala dos meus mortos
que andam vivos
e de vivos
que já se foram há tempos
e assim,
morrerei girando
como moinhos de vento
fazendo dançar
os campos dourados
nas noites de lua.

quarta-feira, 2 de março de 2011

melancólico pierrô

se a vida não fosse tão triste
diria para sorrir
se a existência fosse tão bela
diria para não chorar...

mas é que inspira-me
a dor e a fragilidade
seus olhos tristonhos
soam-me sonhos
de uma noite que não virá...

seu olhar vazio
devotado a um canto escuro
não reflete mais
do que somos,
do que temos e tanto tememos...

chore sim, pequeno pierrô
pois a vida é colombina
traz sombras femininas
desilusões de adulto
num corpo de menina.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ironia

meus erros definem
quem eu sou
diz se há glória
ou fracasso

eu digo que uma visão
dentro de um limite
cognitivo
jamais poderia

cercar o certo e o errado
ou qualquer outra
dicotomia

domingo, 2 de janeiro de 2011

isso que me vem

em pequenas caixas
nada mais que marcha
para o furico mais cretino
do escândalo
faíscas

só incendeiam e apagam
riscam traçado fino
o caminhar nulo
repetitivo dos palitos
de ponta escarlate
encandeiam

demasiado cretinas
intuições abalizadas
de quem nada quer saber
compartimentados

natimortos espalhavam-se
no chão feito gravetos
mal queimados
moedinhas de um centavo
brincando
de quem se queima primeiro.
batismais
os tais
senhores fatais

fósforos